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Introdução
Antes de comprar um imóvel é preciso entender melhor como funciona uma incorporação imobiliária passo a passo para a destituição do incorporador. A compra do imóvel é, para a maioria das pessoas, a realização de um sonho. Representa o início de uma fase que promete prover momentos felizes e agradáveis ao lado de quem se ama: amigos, parentes e filhos.
No entanto, esse sonho pode se tornar um pesadelo ou um grande baque quando o incorporador deixa de cumprir os acordos estabelecidos no ato de compra e registrados em contrato.
Na maioria das vezes, o melhor a se fazer é destituir o incorporador e retomar a obra, para que as unidades autônomas do empreendimento sejam entregues aos adquirentes, se assim a maioria decidir em assembleia.
Gostaria de saber como funciona o processo de destituição do incorporador pela assembleia de adquirentes?
Continue a leitura e aprenda o que fazer diante de uma situação como essa, que costuma causar desgaste físico e mental nos compradores e, muitas vezes, desespero!
Aceitando a dura realidade: o incorporador não cumprirá o que prometeu
O momento mais importante e talvez o mais difícil durante o processo de destituição do incorporador seja aceitar a dura realidade de que ele não cumprirá o que prometeu.
Isso pode ser explicado a partir da psicologia.
As pessoas quando decidem comprar um apartamento, por exemplo, não estão apenas adquirindo um bem material, mas um sonho.
Um projeto de vida que foi pensado com cuidado e elaborado com muito sacrifício.
A maioria economiza dinheiro por anos para, finalmente, realizar o sonho da casa própria, do lugar que será, ao mesmo tempo, lar e espaço de lazer para filhos, amigos e familiares.
As pessoas também costumam criar expectativa.
Se no contrato constava que o empreendimento seria entregue em certa data, então é muito comum que os adquirentes fiquem ansiosos para vê-lo pronto, perfeito para morarem e construírem boas e inusitadas histórias.
Tudo isso colabora para que os proprietários relutem em aceitar a realidade.
Aos poucos é que vão percebendo, ao observar que a quantidade de funcionários diminuiu, metade da obra está abandonada, parte dela foi invadida e depredada etc.
A incorporação imobiliária passo a passo para o ato coletivo de destituição: 50% + 1
Há que se falar que o processo de destituição do incorporador é um movimento coletivo, um ato conjunto em que reside a vontade da maioria.
Assim, eventos isolados, partindo apenas de um ou dois adquirentes ou de grupos não representativos, não têm força nem amparo jurídico.
A Lei 4.591, de 1964, inciso VI do art. 43, é clara nesse sentido, pois estabelece um quórum mínimo de 50% + 1 nos casos em que é necessário afastar o incorporador.
Essa decisão deve ser manifestada em assembleia convocada por um 1/3 (um terço) dos adquirentes, ou pela Comissão de Representantes.
Havendo financiamento para construção, a convocação poderá ser feita pela instituição financiadora.
A mobilização coletiva dos condôminos é indispensável no processo de destituição do incorporador, e é fundamental para o seu sucesso.
No entanto, é um desafio reunir todos os adquirentes ou ao menos a parte essencial para dar prosseguimento ao processo de destituição do incorporador por diversos motivos.
Razões para destituição do incorporador
- Muitas pessoas investem em apartamentos apenas para aumentar o patrimônio, mas não pensam em morar. Por isso, costumam não acompanhar o andamento da obra;
- O empreendimento conta com, digamos, 200 unidades habitacionais. Como entrar em contato com todo esse pessoal, que talvez nunca tenham chegado a se ver?
- Adquirentes ocupados, com uma agenda cheia durante os dias da semana, pode dificultar a reunião presencial entre eles;
- Proprietários que moram em outros países ou que talvez tenha ido para outros países para estudar, trabalhar ou passar uma temporada.
Como dar os primeiros passos para reunião dos adquirentes
Em suma, diversas situações podem surgir, dificultando assim o processo de destituição do incorporador. Nesse caso, existem algumas alternativas que podem ser adotadas:
- Criar um grupo virtual ou online nas redes sociais, como Facebook e WhatsApp. São ambientes que permitem a criação de grupo para a troca de informações e ideias. Podem resolver, por exemplo, o problema de adquirentes que se encontram fora do estado ou cidade em que o empreendimento está sendo construído;
- Solicitar ao incorporador a lista de contatos dos adquirentes, para que assim seja possível estabelecer uma linha de comunicação direta com cada um deles.
São soluções que podem ajudar a reunir os proprietários para dar início ao processo de destituição do incorporador.
Comissão de Representantes
É a Comissão de Representantes dos adquirentes que deverá conduzir o processo de destituição do incorporador, com base na Lei 4.591/1964. Conforme o art. 50 da referida norma, a Comissão de Representantes será designada no contrato de construção ou eleita em assembleia. Ela deverá ser composta por três membros, pelo menos, escolhidos entre os proprietários das unidades do empreendimento.
Caberá à Comissão de Representantes, entre outras coisas, representar os interesses dos adquirentes perante o construtor, incorporador e terceiros, bem como acompanhar o bom andamento da obra.
Além disso, é dever da Comissão solicitar ao incorporador o demonstrativo da obra, bem como sua correspondência com relação ao prazo de entrega previsto em contrato. Na verdade, essa é uma incumbência do incorporador, segundo o Art. 31-D da Lei 4.591/1964.
Entretanto, como é de costume o incorporador dificultar o acesso de documentos ou relatórios da obra por parte da Comissão, orienta-se para que esta tome a atitude, visando assim assegurar o adequado andamento da obra e a defesa dos interesses dos adquirentes.
A Comissão também pode, conforme a Lei 4.591/1964, contratar serviços especializados em auditoria para fiscalizar a obra e identificar possíveis problemas que possam afetar o prazo de entrega, por exemplo. Fiscalizar não só a obra, como também o patrimônio de afetação que integra exclusivamente a construção em andamento.
Entrega do imóvel em até 180 dias do prazo previsto
Antes de se iniciar o processo de destituição do incorporador, existe a possibilidade de haver um acordo entre os adquirentes e o incorporador, para que dessa maneira sejam evitadas batalhas judiciais, que costumam ser lentas.
O art. 43-A da Lei 4.591/1964 diz que “a entrega do imóvel em até 180 (cento e oitenta) dias corridos da data estipulada contratualmente como data prevista para conclusão do empreendimento, desde que expressamente pactuado, de forma clara e destacada, não dará causa à resolução do contrato por parte do adquirente nem ensejará o pagamento de qualquer penalidade pelo incorporador.”
Trata-se assim de um acordo amigável entre as partes envolvidas: a Comissão de Representante dos Adquirentes e o incorporador.
No entanto, cumpre dizer que o atraso não ensejará penalidade a ser paga pelo incorporador, como multa ou danos morais e materiais.
Mesmo que ele tenha descumprido o prazo de entrega do empreendimento previsto em contrato, a Lei 4.591/1964 o isenta, desde que haja um pacto nesse sentido. Ao fazer esse pacto, o adquirente abre mão, de certo modo, de seus direitos.
Imagine a seguinte situação: o adquirente, que mora de aluguel, comprou a unidade habitacional no empreendimento Y, que tem um prazo de entrega previsto para daqui a dois anos, no mês Z e dia 10.
Na expectativa, o proprietário se planeja, fazendo um contrato de aluguel com base no tempo previsto de entrega. Findo o prazo, a obra não foi entregue, tendo ele que alugar um local mais caro, devido a esse impasse.
Em um caso como esse, ele pode entrar com uma ação no judiciário solicitando danos materiais. Inclusive, alguns tribunais já vêm adotando uma posição afirmativa nesse sentido.
Por fim, recomenda-se estender o prazo de entrega para até 180 dias quando existe a real promessa de que as obras do empreendimento se encontram em estágio avançado e depois de um estudo técnico que comprove que a entrega é possível antes ou ao final desse período.
A Lei 4.591/1964 prevê também que, caso seja acordado entre os adquirentes e o incorporador o prazo de entrega em até 180 dias, e este não cumpra o pacto, aqueles poderão solicitar a devolução do valor investido e receber multa pela quebra do compromisso.
Lançamento de notificação ao incorporador para retomar as obras
Caso haja paralisação ou atraso injustificável na obra, deve a Comissão de Representantes notificar o incorporador para que este retome as obras do empreendimento ou as reinicie em 30 dias, a contar da data em que a notificação foi encaminhada.
A notificação, como menciona o art. 43, VI, da Lei 4.591/1964, costuma ser assinada por um juiz. Esse ato precede ao processo de destituição do incorporador, mas isto só ocorrerá se ele não retomar a obra.
Assim, nos 30 dias após a notificação, caso o incorporador não retome a obra, estará aberto o caminho para a sua destituição.
Há todo um processo que precisa ser observado para que a destituição aconteça segundo a vontade da maioria dos adquirentes.
O processo de destituição do incorporador
Caso o incorporador não retome a obra em 30 dias, será necessário a convocação de nova assembleia para deliberar a respeito da destituição do incorporador.
Trata-se de um ato que depende dos votos da maioria absoluta dos adquirentes, como diz o art. 43, VI, da Lei Nº 4.591/1964 “Desatendida a notificação, poderá o incorporador ser destituído pela maioria absoluta dos votos dos adquirentes.”
A maioria absoluta pode ser entendida como 50% dos adquirentes mais um.
Assim, por exemplo, caso a incorporação tenha 200 adquirentes, para destituir o incorporador serão necessários 100 votos mais 1.
Ressalte-se que somente as unidades efetivamente vendidas serão consideradas na contagem dos votos.
Dessa maneira, pegando o exemplo acima, caso o empreendimento tenha 200 unidades, mas apenas 150 vendidas, só estas valerão na contagem dos votos. O restante é dispensado.
Ainda com relação à contagem de votos, é comum o questionamento se a contagem se dá pela fração ideal do solo ou por unidade.
No Direito Civil, entende-se por fração ideal a inseparabilidade da unidade imobiliária com uma fração ideal do solo e das partes comuns, que será calculada na forma decimal.
No que tange a essa problemática, parte dos especialistas compreendem que a contagem de votos se dá em razão da fração ideal que cada adquirente possui.
Entende-se que essa discussão é, para efeito de contagem de votos, irrelevante, pois, no final das contas, a quantidade de adquirentes com poder de voto será a mesma (tanto pela concepção de unidades como pela de fração ideal).
Com exceção do permutante. O peso de seu voto será proporcional à fração ideal das unidades que lhe tocarão em permuta.
Assim como também para aqueles adquirentes que possuem mais de uma unidade.
Ocorrem, dessa maneira, duas assembleias: uma para deliberar sobre a notificação para a retomada da obra em 30 dias por parte do incorporador; e outra para deliberar sobre a sua destituição.
O que acontece caso o incorporador seja destituído?
Na hipótese de destituição do incorporador, os condôminos ou adquirentes não são mais obrigados a obedecer ao contrato que foi firmado entre estes e aquele.
Existe aqui uma quebra de contrato que se deu em razão de um fato específico e previsto na legislação vigente.
O que significa que não será mais exigido dos adquirentes, por exemplo, o pagamento de valores das unidades do empreendimento ao incorporador.
Isso, no entanto, não quer dizer que o adquirente que possui saldo devedor não terá que cumprir com suas obrigações. Terá sim, mas agora diretamente com a Comissão de Representantes ou Condomínio de Construção, que terá poder para cobrar as parcelas não pagas e até mesmo levar as unidades a leilão extrajudicial, caso isto esteja previsto no contrato.
Além disso, a incorporadora perderá o estoque de unidades do empreendimento, os quais não foram por alguma razão vendidos ou alienados.
Esse entendimento parte da interpretação da Lei Nº 4.591/1964, que diz: os condôminos, para prosseguir na construção, deverão contar com os mesmos ativos que o incorporador possuía (unidades alienadas + unidades não alienadas).
Continuando, no caso de destituição do incorporador, duas são as opções dos adquirentes: dar continuidade à obra ou não continuar.
Isso somente nos casos dos empreendimentos imobiliários para os quais foi adotado o regime de patrimônio de afetação.
No primeiro caso, é necessário criar um condomínio da construção que será responsável pela retomada da obra.
O condomínio da construção será instituído pelos adquirentes em assembleia em até 60 dias.
Caso os adquirentes optem pela continuação do empreendimento, ficarão “sub-rogados nos direitos, nas obrigações e nos encargos relativos à incorporação”, conforme diz o § 11, art. 31-F, da Lei Nº 4.591/1964.
Em outras palavras, responderão pelo saldo existente entre as receitas do empreendimento e o custo da conclusão da obra, caso um modelo de rateio não seja deliberado e escolhido pela Comissão de Representantes em assembleia.
Proteção jurídica em juízo
Ainda que caiba a Comissão de Representantes defender os interesses dos adquirentes fora e em juízo, adotando para isso medidas como a proposição da destituição do incorporador e a venda das unidades não alienadas para dar continuidade às obras do empreendimento, recomenda-se que os adquirentes (por conta própria e em casos em que isso seja necessário), nas hipóteses que a incorporadora resista entregar os ativos da incorporação, buscar a proteção dos direitos no judiciário.
Na relação entre adquirente e a incorporadora, o primeiro é visto pelo Código de Defesa do Consumidor (CDC) como um cliente ou consumidor, capaz assim de consumir ou comprar produtos e serviços e ser amparado juridicamente. O segundo, por sua vez, é considerado uma empresa que fornece produto. Nessa concepção, a unidade habitacional do empreendimento é um produto, que precisa não só ser bem construído, mas também entregue no prazo certo, previsto em contrato.
Não só o adquirente é visto pelo CDC como consumidor, vale dizer, mas também a Comissão de Representantes. O art. 2 do CDC equipara ao consumidor a coletividade de pessoas, ainda que intermináveis, que haja intervindo nas relações de consumo. Quando a comissão age na defesa dos adquirentes, intervém na relação do consumo destes.
Para reforçar esse argumento, cabe mencionar a decisão do Superior Tribunal de Justiça (Nº 1.560.728), que não só reconheceu o Condomínio dos Adquirentes como consumidor, mas também reconheceu a fragilidade deste na relação com a incorporadora.
Essa é a essência do CDC, a sua base, aquilo que o faz existir. Reconhece o consumidor como a parte mais fraca, vulnerável, na relação com as empresas, em geral. A organização, por sua vez, é considerada como aquela que detém não só conhecimento técnico e intelectual em relação ao produto que produz, determinando, por exemplo, as suas principais características, mas também poder econômico.
Conhecer a lei dos condomínios e adquirentes, bem como o Código de Defesa do Consumidor, é essencial para o consumidor que busca não só a preservação dos seus direitos e garantias, mas também proteção jurídica diante de casos que podem obstar a realização de seus sonhos, como é o caso do incorporador que não cumpre o que prometeu.